Você Não é Uma Mãe Ruim, Quando Tem Sentimentos Ruins

(O texto original escrito pela Patty Wipfler, fundadora do Hand in Hand Parenting pode ser encontrado clicando AQUI. Gosto desse texto especialmente pela coragem que ela teve em expressar sentimentos difíceis que temos ao longo do nosso trabalho de criação dos nossos filhos e por apontar o que podemos fazer para notar e extravasar esses sentimentos.)

Eu me lembro claramente do dia em que, por um segundo, não empurrei meu filho de dois anos contra a parede. Ele tinha acabado de machucar seu irmão que ainda era um bebê, e não tinha sido a primeira vez. Eu estava furiosa, quase fora de controle. Mas depois que eu me dei conta, fiquei com medo. Muito medo.

Não sei se diria que naquele dia eu estava brava ou chateada.

O sentimento que se apossou de mim quando vi meu filho machucando o bebê apareceu com uma rapidez incrível. Eu não tinha nem ideia do que estava me tomando.

Eu estava feliz por ser mãe. Mais feliz ainda por ter dois filhos lindos. Feliz por cuidar deles. Era o que eu queria, o que eu tinha planejado. Mas haviam esses momentos problemáticos, quando eu me transformava em outra coisa. Eu estava pronta para machucar alguém que ameaçasse meu bebê,  até mesmo meu próprio filho.

Mesmo depois de ter passado por esse dia horroroso, eu não sabia que tinha outros sentimentos com relação a maternidade que não, alegria, felicidade. Então, um dia em que eu estava mais sensível, uma mulher que tinha acabado de conhecer me perguntou: “Como é ser mãe?” Ela ainda não era mãe e queria saber um pouco mais sobre essa experiência. Eu comecei a chorar imediatamente. Chorar mesmo! Ela era gentil e sua inocente questão  abriu uma rachadura na minha represa emocional.

Despejei um monte de sofrimento. Disse a ela que estava assustada com meu próprio comportamento. Eu estava com medo da violência que eu percebi saindo de mim. Comecei a me lembrar dos piores momentos que passei com meu pai, quando ele cuidava de mim. Eu estava repetindo padrões que eu jurei que nunca ia repetir. E agora, eu estava chorando e soluçando nos braços de uma estranha. Foi aí que percebi que tinha muitos sentimentos relacionados à maternidade, que não amor. Até aquele momento não notava o que estava por debaixo da roupa de “Eu sou uma boa mãe e eu amo a maternidade” que eu vestia. Roupa esta que eu realmente gostaria que me servisse, mas que ficava mal ajustada quando meu estresse estava muito alto.

Na verdade, eu era um mãe bem boa e, ao mesmo tempo, eu não amava a maternidade sempre. Havia momentos difíceis, solitários, confusos, frustrantes, isolados, enlouquecedores. Eu não me permitia notar esses sentimentos, pois acreditava que meu trabalho era amar ser mãe, e eu não podia falhar. Mas, sempre que alguém me perguntava de coração e, com a abertura necessária para escutar, “Como eu estava”, esses sentimentos vinham à tona. Meus sentimentos. Escapando de forma selvagem e sem que eu conseguisse nomeá-los, desesperados.

Quando tive a chance de experimentar trocar momentos de escuta com outros pais, entendi: óbvio, eu tenho sentimentos! Todos tem! Quando há alguém para escutar, podemos finalmente notar esses sentimentos. Todos os dias, meus sentimentos vão de alegres e tranquilos a apaixonados e elétricos, e tudo o que está entre um pólo e outro. Meus filhos tinham essas enormes variações, e é claro, eu também!

Devagar, em parceria com alguém que saiba escutar, nós pais podemos começar a entender de onde vem esses sentimentos. Descobri que, muitas vezes, nossos sentimentos mais fortes vem da nossa infância, dos momentos em que nossos próprios pais estavam bloqueados por conflitos e estresse e nós, crianças pequenas que éramos, não sabíamos o que fazer. Esses sentimentos antigos e bem protegidos finalmente são liberados quando você tem alguém que te escute. Chorar, gargalhar e estravasá-los nos dá a chance de ter mais controle sobre como criamos nossos filhos e quão bem demonstramos nosso amor.

Não somos nossos sentimentos. Nossos sentimentos são uma gravação histórica do que nos aconteceu, de feridas que ainda esperam ser curadas. Eles são como anéis de uma árvore -mostram o que aconteceu conosco. Porém, a nossa parte viva, criativa e amorosa está em outro lugar. Nossos sentimentos vem de como nós e as outras crianças da nossa idade e nas mesmas circunstâncias foram tratadas. Nossos sentimentos querem sair. O que quer que sejam -preocupações, dureza, egoísmo, dor, impotência, ressentimento, raiva- nós não somos nossos sentimentos e eles querem sair de dentro de nós. Tentamos deixa-los aprisionados, mas quando perdemos a paciência eles vão com tudo pra cima dos nossos filhos e de outras pessoas que amamos. Quando temos um adulto pronto para nos escutar e nos oferecer afeto, nossos sentimentos encontram uma forma mais adequada de serem extravasados. Com alguém que nos escuta podemos notar nossos sentimento, podemos mostrá-los, podemos extravasa-los. Podemos atravessar a barreira que eles criam em torno do nosso amor.

Somos mães e pais bons. Mas não precisamos amar sermos pais e mães o tempo inteiro. Podemos sentir o que quer que apareça no nosso corpo e utilizar um bom “escutador” para ajudar a extravasar esses sentimentos. Então, podemos ser mais nós mesmos: afetivos, calorosos, confiantes e brincalhões. Nada melhor para a maternidade e paternidade.

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